terça-feira, 27 de agosto de 2013

Efeito Sem Causa

Quase todos os dias, tento me convencer de que não me sinto incomodado com a rejeição pela qual meus amigos têm com minha escrita. É como um pé adormecido após uma posição desfavorável. Não causa dor aguda, mas provoca desconforto.

Fiz muito de meus amigos através de minha escrita. Leitores que admiraram as palavras e foram amaciar o ego do autor. Depois de muito tempo, tive a percepção de que o laço fraterno não cria o mesmo vínculo magnético que a da relação leitor e escritor. Ganhei amigos, perdi leitores.

Tenho conhecimento de causa suficiente para saber que escritores são um porre. Assim como qualquer fanatismo exacerbado por parte de um leitor ocasiona decepção. Uma amiga contou-me certa vez que uma assídua leitora de Hilda Hilst foi visitá-la em seu sítio. E a velhinha permaneceu incomunicável, calada dentro de si. Ao retornar de sua viagem, começou a rejeitar a autora. Não admitia que a figura nobre da escritora fosse encarnada em uma senhora tão sem graça.

Escritores expressam-se por suas escrituras. Talvez seja exigir demais que, além do ardor com as palavras, exista um humano elevado, dono de respostas e de uma sabedoria que, ao olhar do leitor, parece julgadora.

Lembro de mim mesmo assistindo a uma palestra de Menalton Braff. Permanecendo após o encerramento para trocar breves palavras com o autor. Subindo no palco que o separava dos mortais, ansioso por um diálogo que, provavelmente, esperava ser brilhante. Braff foi gentil, educado, disposto à conversa. Mas nem sempre é assim.

Por isso deixei o encantamento de lado quando se trata de escritores. Olho para os livros, não para a pessoa. Na Flip não resisti ao ver Milton Hatoum e pedi a ele um retrato ao meu lado. Tentei ser gentil, de uma maneira que dissesse tudo bem se não for possível. Se Hatoum me dissesse não, infelizmente estou cansado, não posso, não quero, eu responderia obrigado e minha admiração por ele não diminuiria. Ele continuaria me comovendo pelo resgate da origem e da memória, pelo embate entre dois irmãos e segue...

As obras falam por si só. O que não significa que, às vezes, não deixe escapar minha admiração pelos autores. Ao Daniel Galera mencionei o quanto sua prosa densa me deixou impressionado. Em resposta, Galera disse, lacunar, estamos tentando. Seis romances com críticas positivas e Galera ainda se vê incompleto, traçando um caminho, tentando. Me agradeceu pela leitura de seu romance, saboreando a felicidade de estar em um ponto da vida em que pode fazer o que gosta e ter sustento com isso. Sem precisar implorar, pedir, espernear por atenção. Seus livros estão lá, expostos na literatura brasileira, aguardando quem os leia. Sem conceitos prévios. Esperando demonstrar, por si, a competência de seu autor. O meio como caminho.

Há mais benefício em separar amigos da prosa. Engulo a rejeição, crédulo de que, se o texto tiver força suficiente, chegará até eles, como a qualquer leitor comum. Melhor do que a subserviência do porque é meu amigo, do pedido quase catártico para que leiam este ou aquele escrito, da certeza de que a prosa é bem elaborada, rica e, provavelmente, uma das melhores feitas no país. Não.

Os textos são o meio que atravessa o concreto entre o escritor e o leitor, não o que sou como ser vivo, como corpo, cotidiano e cansaço. Sou etéreo porque desejo que meus personagens sejam maiores do que eu. Como Hamlet é maior que Shakespeare. Como Quixote faz sombra a Cervantes. Existo porque as fiz.

Quando há validade na prosa, leitores a encontram. Quando não, viram matéria de transição. Figuram em listas temporárias de leitura pela especulação e somem brevemente. A potência de uma narrativa está na capacidade de atrair leitores ou de tornar-se circular ao ponto de nunca deixar de ser lida e comentada.

Aceito a rejeição oferecida pelos amigos. Esperançoso de que, um dia, quebrar-lhe-ei sua couraça com minha prosa.


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