domingo, 26 de maio de 2013

E eu os declaro...

No domingo, o toque do celular interrompeu nosso descanso com um número não identificado pelo aparelho. Mas a voz que vinha dele foi reconhecida. Era meu amigo Vinício dos Santos com sua inconfundível maneira de primeiro chamar o nome para quem está ligado e, em seguida, anunciar o próprio.

Pelo dia e o horário – quase noite – pensei que viria um convite surpresa para o cinema e, mentalmente, já calculava que filme poderíamos assistir. Mas não.

- Você vai estar livre amanhã lá pela parte da tarde? – Foi uma pergunta que Vini sabia a resposta mas preferiu fazê-la mesmo assim.

- E a Karina também?

Retiro o telefone do ouvido, protegendo o bocal e pergunto a ela, que afirma não ter nada programado.

- Pois é, é que eu preciso de um favorzinho seu.



Por economia de espaço, novelas e romances cinematográficos não contam os trâmites de um casamento. Há algumas semanas, fui com Vinício e sua Graziella testemunhar as entradas de papéis no cartório para seu casamento. Os papéis designados à Karina e eu consistiam em assinar um termo mencionando que ambos tem sanidade e nenhum laço sanguíneo que impedisse o matrimônio.

No calor de meio dia, aguardávamos a chegada do casal em uma tarde que seria engraçada, dividida entre o momento presente e a expectativa em suspensão. Talvez designado como testemunha, nunca fui um observador tão ativo.

Como tudo no país, casar também é uma grande burocracia. Consiste em levantar papéis, mudar os nomes, e fundamentar, de maneira fria, que o casamento é, além de um laço, um acordo entre partes. E despender dinheiro, muito, muito dinheiro para que o Estado ou qualquer outro órgão responsável timbrem um papel assinado por um juiz dizendo que essas duas pessoas dividem aquela coisinha maluca chamada amor e resolveram juntar os trapinhos.

Após esperar um casal que realizava o mesmo procedimento – o que nos proporcionou um almoço de espera e a gentileza do casal em nos pagar o referido almoço – fomos ao ato em si.

O documento consiste em apresentar informações pontuais sobre cada um, nome completo, data de nascimento, nome dos pais, nome das testemunhas, para que todos assinem. Demorando o tempo necessário para explicar cada passo do procedimento do casório.

Durante a segunda parte da espera, em que estávamos na antessala da sessão designada a realizar os documentos, folheávamos revistas de casamento, em propositada exposição para, ou distrair os noivos ou deixá-los mais nervosos. Foi neste local que começamos a conversar sobre o que estávamos prestes a realizar.

Mesmo que fosse necessária a burocracia, estava feliz por estar presente vendo o momento acontecer. Sentir que eles dividem a mesma cumplicidade íntima que sinto com Karina. Algo que não consigo explicar ao certo, mas que se aproxima muito com o que sinto ao ouvir Good Vibrations, do Beach Boys.

Era ver meu amigo crescer de uma maneira que a convivência cotidiana não nos deixa enxergar. Fazendo contas mentais, percebi que o conheço há oito anos e, rapidamente, me recordei da primeira vez quando tentei puxar assunto com ele, falando de seus textos, em um blog que escrevia tempos atrás.

Chegamos no momento em que antevemos a chegada do sentimentalismo narrativo, em que suspendo a história para não cair no elemento memorialista de lembranças, risos, crises infinitas, que aproximam e estreitam os laços de amizade.

Mas, porra, meu amigo vai se casar. Com direito a pompas e padre, indo contra uma corrente que diz que os laços matrimoniais são retrógrados ou desfuncionais. Em uma sociedade em que muitos desejam afirmar que não há mais espaço para o amor. Me lembra de uma frase de Fernanda Montenegro, dita em entrevista na ocasião de seu monólogo sobre a filósofa Simone de Beauvoir: qual a maior subversão que um casal pode praticar nos dias de hoje? Permanecer juntos.

Então, daqui a menos de um mês, quando aceitarem perante Deus, perante o juiz, promover os laços do matrimônio, irão, ao mesmo tempo, rir de todos que acreditam que o amor está vencido. E, sem saber, um dos casais mais corretos que conheço, estará a caminho de uma das mais deliciosas subversões da vida.

Vinício e Graziella em foto de Danilo Politano.

domingo, 12 de maio de 2013

Pracinha

A pracinha do bairro ainda mantinha os mesmos habituais frequentadores, sendo esses vendedores de balas, senhoras elegantes com trajes chiques, crianças cujos pais permitiam-nas brincarem ao redor do coreto e os velhos moradores de rua. Eu sempre passava por lá a caminho do trabalho ou no horário de almoço quando ia pagar contas no banco das redondezas, mas, naquele dia, no horário da missa dominical, ela despertou minha atenção, o que me obrigou a sentar em um banquinho para contemplá-la.

Na entrada da igreja eram dois os moradores de rua, com seus cobertores sujos compartilhados com alguns cachorros, fiéis companheiros de miséria. Além dos animais e da sujeira, um item que os homens possuíam chamava a atenção dos transeuntes: uma velha Bíblia Sagrada. Passando em frente aos mendigos, as beatas chegavam à igreja em linha contínua, discutindo algum assunto da paróquia, ficando cada uma lado a lado nos bancos, logo na entrada do edifício religioso. As jóias que adornavam os pescoços das senhoras brilhavam e contrastavam com a sujeira dos mendicantes rezando do lado de fora da igreja: uma crença dividida por uma parede de concreto. 

A fé religiosa que as mulheres praticavam em oposição à esperança por dias melhores daqueles homens me fez pensar em muitas coisas: importa tanto assim fazer parte de uma entidade religiosa para obter paz espiritual? Não é a igreja que agrega todos os cidadãos, sejam esses de classes econômicas diferentes? Será que aqueles pobres se sentiam inferiorizados a ponto de não entrarem nela carregando sua velha Bíblia de páginas amareladas? Por eles não terem jóias e brincos de argolas?

Ao final da missa, todas as pessoas foram para as suas casas, mas só aqueles homens continuaram naquele que era o seu lar: a pracinha do bairro.


sexta-feira, 3 de maio de 2013

E foram pagos para isso!


Não quero colocar nenhum possível leitor em uma situação vexatória. Portanto, faremos de conta que utilizamos este recurso somente com crianças ou animais e nunca soltamos, em nenhum momento, frases deste estilo para uma pessoa amada. Mas, pelo impacto, às vezes dizemos sentenças que se fecham em si mesmas.

Em casa tive uma felina durante muitos anos que foi um dos animais mais carinhosos que tive. Nunca se cansava de receber carinho e retribuía o afeto com gratidão como se dissesse hey, gosto de você também. Eu dizia à gata - nessa história de dono conversador com seus animais - que ela era o docinho mais docinho que conheci. Era uma frase boba, simbolizando o carinho que também sentia pelo animal e que se fechava em si, não possuindo nenhum significado além de você é muito carinhosa.

Observo que a publicidade se tornou objeto destas frases que causam impacto mas que não dizem nada sobre o produto. Não sou um especialista, mas recordo diversas frases de efeito que permaneceram em minha memória por sua força, pela quantidade de propagandas e outras maneiras de divulgação que traziam em sua síntese a importância do produto, suas qualidades ou algo do gênero. Com frases que se tornaram maiores que suas próprias propagandas e permaneceram em nosso vocabulário.

Um slogan, uma propaganda, até onde tenho conhecimento básico, funcionam como uma apresentação do produto de alguma maneira. Então, me deparo com um anúncio um pouco antigo da Editora Abril no meio de minhas revistas. Percebo que para cada edição há uma frase que traduz o conteúdo da revista. A Playboy faz referência aos prazeres, a Info ao desejo pela tecnologia e chego até a Super Interessante: para quem é super.

Embora explicite o diálogo com o leitor, chamando-o de especial pela leitura da revista, o que define, de fato, o conceito de super? Algo melhor que outros? Além dos limites? Pergunto-me porque não é uma frase bem feita para explicar o conceito da revista, que explora reportagens tentando ficar entre a linha da informação e da ciência.

Em outro ramo da propaganda, talvez mais escorregadio, as bebidas alcoólicas sempre desejam passar a sensação de que são as melhores do mercado. Produzem um referencial hipotético para nos convencer. A Skol desce redondo porque compreendemos que um círculo é mais fluido que um quadrado. A Antarctica utilizava a questão numérica para se proclamar a número 1. A primeira dentre todas as outras.

Há um referencial óbvio que está concebido na cabeça dos espectadores para reconhecer as propagandas. Porém, o que faz uma cerveja bem cervejada? Qual o critério que devo ter para compreender sua supremacia perante outras e, assim, comprá-la? Não há.

É só uma frase circular que se fecha em si mesma. Causa certo impacto, mas não diz absolutamente nada, tampouco me convence de que é a melhor cerveja no mercado. E alguém foi pago para promover essa ideia e outro alguém concordou que era a melhor dentre todas as ideias. Porque, talvez, ninguém ligue mesmo para os slogans, já que o público alvo estará embriagado.

Mas há um abismo entre um adjetivo que se fecha em si mesmo para um animal de estimação e um produto comercial em escala nacional. Se não, em breve, veremos produtos que são bons porque tem uma bonicidade bem bonizante da bonzississe de bom