domingo, 13 de outubro de 2013

Últimas Sessões


Em "Marilyn - Últimas Sessões", semi-biografia de Marilyn Monroe escrita pelo psicanalista e crítico literário Michel Schneider, Truman Capote fala, em um dos encontros com a atriz, de sua nova personagem na época, Holly Golightly, que, segundo ele, foi criada a partir das personalidades de Monroe e a dele. Monroe chegou a ensaiar algumas cenas de "Bonequinha de Luxo" quando o filme era cogitado, porém a Paramount buscava uma atriz menos sensual que a musa, como se Holly fosse uma mulher que agradasse ao público, mas que fosse, de certa forma, comum.

Eu não imagino outra Holly Golightly que não aquela interpretada por Audrey Hepburn, mas a cada passo desse livro percebo mesmo que Monroe É a Holly encarnada, suas angústias com os homens são parecidas - ambas se deitam com eles por interesses escusos, não encontram seu lugar no mundo e  fogem do passado mas ao mesmo tempo querem voltar a ele ou a parte dele: Holly, que antes se chamava Lula Mae, nega marido e filhos, mas quer o irmão de volta, e Norma Jeane Mortenson sofre com a máscara social e artística que ela criou na forma de Marilyn Monroe.

Além disso, há muitas outras semelhanças: ambas fazem testes em Hollywood - Holly desiste afirmando que não se daria bem como atriz. Monroe amava Nova Iorque, cidade que a personagem de Capote também escolheu para viver. Mas há uma cena que chama muito a atenção, que é quando Holly despede-se do ex-marido dizendo: não sou mais Lula Mae. Marilyn, no fim de sua vida, se cansa tanto do estrelato que a vejo gritando com fúria: não sou mais Marilyn Monroe.

Quando ganhei esse livro do namorado, imaginava que fosse uma biografia completa, com curiosidades e fatos inéditos da minha maior musa, mas, grata surpresa, ele é maior que isso; o autor claramente inventa grande parte da história ou deixa o leitor com dúvidas se o comportamento carente e doentio de Monroe era tão massacrante como exposto no livro. Além disso, me chamou muita atenção o fato do autor explicar de forma didática conceitos da psicanálise que não conhecia, o que é fundamental para um leigo.

"Marilyn: últimas sessões" também é excelente porque mostra como uma das mulheres mais poderosas do mundo que já passaram por ele sofreu angústias, muito mais por problemas psíquicos decorrentes de infância e juventude infelizes, mas também pela glamourização de um mundo muito sujo e corruptível que é a indústria cinematográfica americana. 


terça-feira, 27 de agosto de 2013

Efeito Sem Causa

Quase todos os dias, tento me convencer de que não me sinto incomodado com a rejeição pela qual meus amigos têm com minha escrita. É como um pé adormecido após uma posição desfavorável. Não causa dor aguda, mas provoca desconforto.

Fiz muito de meus amigos através de minha escrita. Leitores que admiraram as palavras e foram amaciar o ego do autor. Depois de muito tempo, tive a percepção de que o laço fraterno não cria o mesmo vínculo magnético que a da relação leitor e escritor. Ganhei amigos, perdi leitores.

Tenho conhecimento de causa suficiente para saber que escritores são um porre. Assim como qualquer fanatismo exacerbado por parte de um leitor ocasiona decepção. Uma amiga contou-me certa vez que uma assídua leitora de Hilda Hilst foi visitá-la em seu sítio. E a velhinha permaneceu incomunicável, calada dentro de si. Ao retornar de sua viagem, começou a rejeitar a autora. Não admitia que a figura nobre da escritora fosse encarnada em uma senhora tão sem graça.

Escritores expressam-se por suas escrituras. Talvez seja exigir demais que, além do ardor com as palavras, exista um humano elevado, dono de respostas e de uma sabedoria que, ao olhar do leitor, parece julgadora.

Lembro de mim mesmo assistindo a uma palestra de Menalton Braff. Permanecendo após o encerramento para trocar breves palavras com o autor. Subindo no palco que o separava dos mortais, ansioso por um diálogo que, provavelmente, esperava ser brilhante. Braff foi gentil, educado, disposto à conversa. Mas nem sempre é assim.

Por isso deixei o encantamento de lado quando se trata de escritores. Olho para os livros, não para a pessoa. Na Flip não resisti ao ver Milton Hatoum e pedi a ele um retrato ao meu lado. Tentei ser gentil, de uma maneira que dissesse tudo bem se não for possível. Se Hatoum me dissesse não, infelizmente estou cansado, não posso, não quero, eu responderia obrigado e minha admiração por ele não diminuiria. Ele continuaria me comovendo pelo resgate da origem e da memória, pelo embate entre dois irmãos e segue...

As obras falam por si só. O que não significa que, às vezes, não deixe escapar minha admiração pelos autores. Ao Daniel Galera mencionei o quanto sua prosa densa me deixou impressionado. Em resposta, Galera disse, lacunar, estamos tentando. Seis romances com críticas positivas e Galera ainda se vê incompleto, traçando um caminho, tentando. Me agradeceu pela leitura de seu romance, saboreando a felicidade de estar em um ponto da vida em que pode fazer o que gosta e ter sustento com isso. Sem precisar implorar, pedir, espernear por atenção. Seus livros estão lá, expostos na literatura brasileira, aguardando quem os leia. Sem conceitos prévios. Esperando demonstrar, por si, a competência de seu autor. O meio como caminho.

Há mais benefício em separar amigos da prosa. Engulo a rejeição, crédulo de que, se o texto tiver força suficiente, chegará até eles, como a qualquer leitor comum. Melhor do que a subserviência do porque é meu amigo, do pedido quase catártico para que leiam este ou aquele escrito, da certeza de que a prosa é bem elaborada, rica e, provavelmente, uma das melhores feitas no país. Não.

Os textos são o meio que atravessa o concreto entre o escritor e o leitor, não o que sou como ser vivo, como corpo, cotidiano e cansaço. Sou etéreo porque desejo que meus personagens sejam maiores do que eu. Como Hamlet é maior que Shakespeare. Como Quixote faz sombra a Cervantes. Existo porque as fiz.

Quando há validade na prosa, leitores a encontram. Quando não, viram matéria de transição. Figuram em listas temporárias de leitura pela especulação e somem brevemente. A potência de uma narrativa está na capacidade de atrair leitores ou de tornar-se circular ao ponto de nunca deixar de ser lida e comentada.

Aceito a rejeição oferecida pelos amigos. Esperançoso de que, um dia, quebrar-lhe-ei sua couraça com minha prosa.


domingo, 11 de agosto de 2013

Gripe, uma chateação inevitável


Quando ela vem, alguma coisa acontece em seu coração (não, não estou falando da paixão, paixão é outra coisa, e também não estou falando do Caetano Veloso - embora o Thiago pire no Caê). Essa chatinha é um velho mutante, surgido antes mesmo de nos sabermos como gente, com uma grande carga viral encabeçando os propósitos da invasão de seu corpo. 

Pois, como todos bem sabem, o propósito principal da gripe, na verdade o único propósito, é te judiar o bastante pra te fazer  esquecer o quanto você era feliz antes de ela chegar. O quanto podia lavar a louça sem precisar sair a cada minuto para assoar o nariz. Aquele período bom em que você dormia tranquilamente, respirando de forma cômoda, dias atrás.

A gripe nada mais é que um amigo chato e interesseiro que sempre reaparece no momento oportuno, talvez apenas pra te chatear o bastante e depois sumir, e depois reaparecer, e depois sumir, um ciclo interminável de paz e chateação. É como o período de latência da gripe: você sabe que ela existe ali nos limites do seu âmago, mas não advinha em qual momento da vida ela vai aparecer.

A gripe chega fazendo estragos, segue desenganando pessoas, atrapalhando tarefas e desestabilizando ideias. Já pensaram que a raça humana habita esse planeta há milhares de anos e a ciência ainda não tem um consenso sobre a cura da gripe? Não podemos nos auto-definir como seres pensantes dessa forma, quando nem podemos nos curar de uma doença que deve ter surgido bem antes dos nossos mais antigos ancestrais.

Pra ser bem sincera, ela realça o que há de pior em ser humano. Já viram um gato com gripe? Gatos não ficam dias amoados, tomando chazinho, usando cachecóis e etc, nem ficam postando no Face sobre o quanto estão ruins de saúde. Eles continuam comendo suas Whiskas e levando suas vidinhas de gatos, porque, oras, eles são gatos e tudo de melhor já vem disso. Isso nos leva a pensar em como somos prepotentes e ao mesmo tempo desprevenidos com aleatoriedades do sistema imunológico, e no quanto nos estragamos em termos de sobrevivência, ao contrário de outros seres vivos.

Queiram os deuses que, num futuro próximo, a gripe e suas milhares de mutações sejam dizimadas para sempre, ou nem mesmo as gerações futuras irão nos perdoar por tamanho fracasso.

terça-feira, 6 de agosto de 2013

A Bravo! está morta. Longa vida à Bravo!


Se uma relação é naturalmente destruidora em seu fim, nada mais desagradável que um término em que ambas as partes não chegam em um acordo mútuo. A Revista Bravo  - com sua última solene capa vista cima - da Editora Abril acabou e depois de uma relação que esperava duradora tenho de me contentar com o papel de um viúvo precoce.

Minha relação com a revista começou há três anos quando, provido de tempo e de certo dinheiro, arrisquei-me a assinar ao menos 2/3 do catálogo da Abril. Mensalmente, eu recebia informações sobre cultura, pseudo-ciência, curiosidades científicas, mercado de trabalho, ensaios fotográficos, ecologia, natureza e manuais sobre como me tornar um homem melhor.

A intenção era, após o ano da assinatura, compor um texto que nunca saiu sobre que revistas trazem um material que, de fato, fosse atraente para o leitor. Neste tempo, cortejei a Bravo! e, após sua possível despedida, convidei-a para ficar e renovamos nossa parceria.

O término da revista não é apenas o primeiro movimento do encolhimento da editora Abril. Muito menos apenas a batida afirmação de que a internet dominou o mercado impresso. Mas também um outro sinal de abate da pequena crítica cultural que temos no país.

A revista - ao lado de mais duas também quase mortas - não rendiam nem 5% da receita total da Abril. Talvez não fizesse o sucesso esperado, mas duvido que não tivesse um público fiel. Principalmente porque a morte da Bravo! é mais uma baixa neste ano ruim.

O Sabático do Estadão foi o primeiro a ser extinto. Houve manifesto pedindo sua continuidade, mas não adiantou. Equipe foi demitida e editores valeram-se da tradicional desculpa missão cumprida para considerarem o assunto encerrado.

Três meses depois, na Folha de São Paulo, a Ilustríssima seria extinta. Para não provocar a mesma contenda pública do Sabático, a Folha informou que o caderno estaria anexado ao conteúdo da Ilustrada. A Serafina nasceu, mas somente para as capitais. O interior continua no vazio. 

E, então, terceiro tiro: Bravo!. Para onde irão os leitores dos cadernos e revistas falecidas?

A Cult se mantém viva com boas matérias e seus dossiês. Mas afasta o leitor que deseja um artigo jornalístico crítico. Está mais para uma revista com ares acadêmicos do que para um panorama da cultura atual feita por reportagens.

A multiplicidade da Piauí se mantém robusta com artigos, ensaios e textos de escritores renomados. A cobertura cultural perde espaço para artigos atemporais. 

Da Editora Escala, a Conhecimento Prático Literatura permanece na resistência. Bimestralmente falando sobre literatura, aproximando-se da quinquagésima edição em uma diagramação ainda feia, que oculta um bom conteúdo. 

E para onde vamos, então? Sair à caça de nossos escritores e críticos preferidos com a esperança de que tenham um blog, uma rede social para acompanharmos aqui e ali alguma boa opinião sobre cultura?

Não há dúvida de que a internet transformou o conceito da mídia física, mas devastou também a boa opinião. Dando a qualquer um a possibilidade de ser um crítico. Até encontrarmos equivalências que nos satisfaçam, vamos nos deparar com medíocres que fazem do gosto a estética para análise, blogueiros que tem mais fama do que conteúdo, nos deixando com a sensação de que, na verdade, nos tornamos náufragos. À procura de um material que nos pareça convidativo de todas as formas. Não me importa a democracia virtual. Nunca se falou tanto sobre cultura no país. Mas nunca se falou tão mal também.

Ao decretar o óbito de cadernos culturais, os outrora grandes do panteão de nossa mídia assumem sua incompetência de não entregarem artigos bem compostos, aprofundados em sua medida, que fossem um diferencial para uma rede virtual que possui muito do mesmo. É dizer que toda uma tradição e uma redação preparada para o tema é incapaz de viabilizar artigos, ensaios, coberturas que nos deem um panorama da cultura hoje no país.

Fomos vencidos. E, ainda em luto, não aceito a queda por não encontrar equivalência. Novamente, não nego que há bons portais de cobertura cultural na rede. Nenhum com a capacidade - até mesmo de contingente - que há em uma redação tradicional. E mesmo se existam, ainda engatinham no óbvio. Ou se escondem sem querer pela quantidade imensa de sites no estilo. Gasta-se tempo para separar o joio do trigo.

Viveremos de nichos. Revistas literárias conhecidas em regiões, agregadas pela recomendação boca-a-boca. Na era da comunicação em massa, voltamos à era das trevas. Identificando um a um os críticos bons na sopa virtual.

A execução dos cadernos e revistas é uma equação simples. Não era viável. Os leitores fiéis não pagavam impressões, salários e uma redação que fazia matérias para poucos. Chegando ao cerne da questão ridícula de que o buraco é sempre mais embaixo. Vem justaposto a um país de pouco leitores, de salários que não são suficientes para o lazer, de uma cultura elitista de preços caros para espetáculos, chegando ao resultado óbvio de que não há público amplo para um revista voltada à cultura e nunca haverá se ainda estes termos forem vigentes.

E entre uma possível mudança, uma tiragem menor, para um público que deseja degustar cultura, mais vale cortes e enfoque nos cadernos que ainda vendem jornais diários e revistas. Mesmo que em tiragem inferior daquelas anteriores à explosão digital. 

E ainda retrógrado, apegado ao tácito, ao toque físico do prazer da leitura, me sinto órfão.

domingo, 28 de julho de 2013

Histórias de Paraty (2)


A cachaça é um dos pontos fortes da cidade. E todo viajante sente-se impelido de aproveitar a cultura local e levar um pedaço dela para a casa. Decidimos comprar uma. 

Entramos na loja que descobrimos posteriormente ser uma fabricante da bebida no local. 

- Olá - digo cordial - o que me recomendam? Sou turista e o que me indicarem como bom vou acreditar. Mas espero que seja algo bom.

Um moço nos atende demonstrando conhecimento sobre a bebida. Fala de maturação, madeiras, tipos de filtragem. Nos oferece uma prova. Bebemos. A sensação é agradável, embora eu não sabia a diferença entre uma boa cachaça e uma ruim.

Resolvo levar, retiro a carteira do bolso e nada acontece. O vendedor não se move. Aproveito meu ânimo observando um senhor de idade fitando uma das garrafas.

- O senhor entende de bebida? - meneia a cabeça dizendo sim. - conhece essa pinga? Sabe se é boa?

Ele ri. O rosto gordo balança.

- Nunca vi um bêbado não tomar uma.

O velho não gosta do tipo da bebida oferecida a nós pelo vendedor. Hesita, mas aceita uma prova por cordialdade a nós. Cheira-a como mestre. Faz cara de suspense. Bebe. Afirma:

- Bebi melhores. Aqui mesmo na cidade você encontra melhor.

Fico em dúvida. O vendedor fecha a cara. Percebendo que a balança pende para o lado do velho, a quem eu decidi confiar pela barriga farta de bebida por toda sua vida, oferece a ele, não a nós, a mesma marca realizada por outro processo, superior, diz. O velho toma, afirma ser melhor, mas não há mais garrafas em estoque, exceto a utilizada para a prova.

Desisto. Peço desculpas ao vendedor pela ousadia. Mas o velho me convenceu mais do que ele. De cara fechada, tenta uma investida.

- Cada um tem um paladar diferente. 

Agradecemos, sem obter uma resposta de volta e saímos.

Dois dias depois, em outra casa de bebidas, compramos a mesma cachaça que o vendedor nos ofereceu. Derrotados por não termos encontrado em nenhum lugar da cidade a versão melhorada. 

Não entendemos nada de cachaça. Cairá bem.

quinta-feira, 18 de julho de 2013

Histórias de Paraty (1)

Entramos em uma dessas lojinhas de artesanato, dedicada especialmente para atrair turistas que desejam levar uma lembrança da cidade. 

Olhamos chaveiros, camisetas, esculturas, imãs, bordados, bolsas, apetrechos que se não são artesanais, parece. Na bancada em que fica o dono, um gato tigrado de pelos fartos está sentado em cima de uma caixa com alguns imãs. Nos aproximamos - adoramos felinos - e faço carinho no pescoço do bichano. O dono percebe, mas continua assistindo ao Fantástico.

Quando fazemos uma pergunta a ele, responde rapidamente e, vendo o caso do menino boliviano na televisão, aumenta o volume, não sei se para prestar mais atenção ou para demonstrar que não deseja diálogo.

Selecionamos nossas compras com o olhar atento do dono. Ele trabalha com peças pequenas, natural imaginar que furtos podem acontecer a qualquer momento.

Vamos ao caixa. Pagamos. Karina pergunta inocentemente se o gato era do dono, pois a cidade tem muitos animais transitando livremente, poderia ser o caso de apenas um agregado. Sem tirar os olhos da televisão, presa por um suporte no teto, nos responde lacunar.

- É gata.

Entregamos-lhe o dinheiro de nossas compras e, rapidamente, devolveu-nos o troco. Junto com as notas nos dá um obrigado seco.

- Qual o nome dela? - Karina pergunta.

Ele, sem tirar os olhos da televisão:

- É Cleo. Obrigado.

E, com uma bala no crânio, a conversa morre. Digo em semitom: gostamos de gatos. Pego o pequeno pacote, agradeço e vamos embora. Era o último dia do festival literário e o homem precisava urgentemente de um descanso.


domingo, 26 de maio de 2013

E eu os declaro...

No domingo, o toque do celular interrompeu nosso descanso com um número não identificado pelo aparelho. Mas a voz que vinha dele foi reconhecida. Era meu amigo Vinício dos Santos com sua inconfundível maneira de primeiro chamar o nome para quem está ligado e, em seguida, anunciar o próprio.

Pelo dia e o horário – quase noite – pensei que viria um convite surpresa para o cinema e, mentalmente, já calculava que filme poderíamos assistir. Mas não.

- Você vai estar livre amanhã lá pela parte da tarde? – Foi uma pergunta que Vini sabia a resposta mas preferiu fazê-la mesmo assim.

- E a Karina também?

Retiro o telefone do ouvido, protegendo o bocal e pergunto a ela, que afirma não ter nada programado.

- Pois é, é que eu preciso de um favorzinho seu.



Por economia de espaço, novelas e romances cinematográficos não contam os trâmites de um casamento. Há algumas semanas, fui com Vinício e sua Graziella testemunhar as entradas de papéis no cartório para seu casamento. Os papéis designados à Karina e eu consistiam em assinar um termo mencionando que ambos tem sanidade e nenhum laço sanguíneo que impedisse o matrimônio.

No calor de meio dia, aguardávamos a chegada do casal em uma tarde que seria engraçada, dividida entre o momento presente e a expectativa em suspensão. Talvez designado como testemunha, nunca fui um observador tão ativo.

Como tudo no país, casar também é uma grande burocracia. Consiste em levantar papéis, mudar os nomes, e fundamentar, de maneira fria, que o casamento é, além de um laço, um acordo entre partes. E despender dinheiro, muito, muito dinheiro para que o Estado ou qualquer outro órgão responsável timbrem um papel assinado por um juiz dizendo que essas duas pessoas dividem aquela coisinha maluca chamada amor e resolveram juntar os trapinhos.

Após esperar um casal que realizava o mesmo procedimento – o que nos proporcionou um almoço de espera e a gentileza do casal em nos pagar o referido almoço – fomos ao ato em si.

O documento consiste em apresentar informações pontuais sobre cada um, nome completo, data de nascimento, nome dos pais, nome das testemunhas, para que todos assinem. Demorando o tempo necessário para explicar cada passo do procedimento do casório.

Durante a segunda parte da espera, em que estávamos na antessala da sessão designada a realizar os documentos, folheávamos revistas de casamento, em propositada exposição para, ou distrair os noivos ou deixá-los mais nervosos. Foi neste local que começamos a conversar sobre o que estávamos prestes a realizar.

Mesmo que fosse necessária a burocracia, estava feliz por estar presente vendo o momento acontecer. Sentir que eles dividem a mesma cumplicidade íntima que sinto com Karina. Algo que não consigo explicar ao certo, mas que se aproxima muito com o que sinto ao ouvir Good Vibrations, do Beach Boys.

Era ver meu amigo crescer de uma maneira que a convivência cotidiana não nos deixa enxergar. Fazendo contas mentais, percebi que o conheço há oito anos e, rapidamente, me recordei da primeira vez quando tentei puxar assunto com ele, falando de seus textos, em um blog que escrevia tempos atrás.

Chegamos no momento em que antevemos a chegada do sentimentalismo narrativo, em que suspendo a história para não cair no elemento memorialista de lembranças, risos, crises infinitas, que aproximam e estreitam os laços de amizade.

Mas, porra, meu amigo vai se casar. Com direito a pompas e padre, indo contra uma corrente que diz que os laços matrimoniais são retrógrados ou desfuncionais. Em uma sociedade em que muitos desejam afirmar que não há mais espaço para o amor. Me lembra de uma frase de Fernanda Montenegro, dita em entrevista na ocasião de seu monólogo sobre a filósofa Simone de Beauvoir: qual a maior subversão que um casal pode praticar nos dias de hoje? Permanecer juntos.

Então, daqui a menos de um mês, quando aceitarem perante Deus, perante o juiz, promover os laços do matrimônio, irão, ao mesmo tempo, rir de todos que acreditam que o amor está vencido. E, sem saber, um dos casais mais corretos que conheço, estará a caminho de uma das mais deliciosas subversões da vida.

Vinício e Graziella em foto de Danilo Politano.